Os venezuelanos vão às urnas neste domingo (28) para eleger um presidente num momento de grande tensão entre o país e seus vizinhos latino-americanos. O país hoje governado pelo esquerdista Nicolás Maduro está em crise econômica. Cerca de 600 venezuelanos cruzam a fronteira diariamente e se instalam no Brasil. A depender do resultado e de como reagirá o derrotado, a conjuntura política pode se deteriorar ainda mais.
A oposição a Maduro diz ter sido cerceada durante a campanha. A candidata original era Maria Corina Machado, que venceu as primárias, mas foi vetada pela Justiça local, fortemente dominada por Maduro. O novo candidato é Edmundo González Urrutia, que teve dificuldades para fazer comícios. O ex-diplomata emergiu como líder da PUD (Unidade Democrática), coalizão formada por 11 partidos de centro-esquerda e centro-direita em oposição ao governo chavista.
Algumas pesquisas de intenção de voto dizem que o atual presidente pode sair derrotado. Mas o herdeiro de Hugo Chávez (1954-2013), que ficou no poder de 1999 até a morte, disse que, se perder, pode haver um “banho de sangue”.
Para o Brasil, um tumulto e quebra da ordem democrática na Venezuela pode resultar num prejuízo político para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Apesar de ter recentemente ensaiado algumas críticas a Maduro, o petista é visto como um aliado do atual governante venezuelano. A oposição brasileira acha que Lula foi leniente ao longo dos anos com o que considera ser uma ditadura no país vizinho.
Mais de 21 milhões de venezuelanos poderão votar neste domingo, segundo dados publicados em junho pelo Conselho Nacional Eleitoral. No total, há 21.620.705 eleitores na Venezuela, incluindo 228.241 estrangeiros.
Maduro, que está no poder desde 2013, busca a reeleição para manter o comando da Venezuela sob o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), fundado por Chávez. A escolha da data da eleição, o dia e o mês de nascimento do ex-presidente, é uma tentativa do venezuelano de reforçar a conexão com o legado do ex-líder, muito popular até hoje no país.
Durante seu mandato, Maduro foi alvo de críticas por enfraquecer instituições democráticas na Venezuela. O Judiciário, as autoridades locais, as instituições eleitorais e as Forças Armadas ficaram cada vez mais sob controle do PSUV. Quando esses esforços não têm sucesso, há relatos de que o governo recorre à repressão da sociedade civil, por exemplo, com a prisão de opositores.
Há uma preocupação dos observadores internacionais com a lisura das eleições deste domingo. Os alertas não se limitam só a uma possível fraude na contagem de votos, mas abrangem a confiabilidade de todo o processo eleitoral.
“A partir das eleições de 2013, surgiram questionamentos sobre a forma como o processo se desenrola”, diz Carolina Silva Pedroso, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo e especialista em Venezuela.
“Não significa necessariamente manipulação dos votos, mas, sim, sobre o funcionamento do processo e se segue rigorosamente o que está descrito na Constituição Bolivariana de 1999 e nas regulamentações do Conselho Nacional Eleitoral”, afirma.
Segundo a especialista, a desconfiança em relação à lisura do processo eleitoral aumentou depois das eleições de 2013, que levaram Maduro ao poder. Em um contexto em que o país ainda estava fortemente influenciado pela figura de Chávez, o atual presidente venceu com uma margem apertada, com 50,6% dos votos contra 49,1% de Henrique Capriles, candidato da oposição pela Mesa da Unidade Democrática.
Capriles alegou fraude e pediu uma recontagem dos votos, além de questionar a legitimidade da candidatura de Maduro. Apesar das contestações, o CNE confirmou a vitória do chavista.
Maduro, que era vice-presidente, assumiu como presidente interino depois da morte de Chávez. A Constituição permite que o vice concorra a um novo mandato, mas artigos indicam que ele deveria se afastar do cargo durante a campanha, o que não foi feito.
“Até 2012, o sistema eleitoral venezuelano era considerado confiável e foi bem observado internacionalmente”, diz a professora. “No entanto, em 2013, as dúvidas sobre a interpretação da Constituição [se Maduro deveria ou não participar da eleição] e a possível influência do Poder Executivo sobre outros poderes começaram a afetar a percepção internacional sobre a transparência do processo eleitoral”, afirma.
Depois de meses de negociações, o governo Maduro anunciou em outubro de 2023, em Barbados, uma série de compromissos para assegurar uma eleição presidencial competitiva em 2024.
O Acordo de Barbados, assinado pelo governo e pela oposição, estabeleceu as condições para o pleito, incluindo a realização das eleições no 2º semestre deste ano, a implementação de reformas eleitorais e a permissão para observação internacional. Também assegurou a participação de críticos ao atual regime e definiu o processo para a realização de eleições primárias.
Pouco depois, porém, Maduro recuou. O governo não aceitou os resultados das primárias da oposição em outubro. María Corina Machado ganhou 93% dos votos, mas foi desqualificada.
Apoio a maduro
Diferente dos pleitos anteriores que consolidaram Maduro no poder, as eleições deste ano marcam um ponto de inflexão: pela 1ª vez desde 1999, quando Chávez chegou ao poder, a Venezuela apresenta uma oposição que conseguiu se articular com um apoio significativo nas bases. Algumas pesquisas indicam Edmundo González Urrutia com quase 60% das intenções de voto.
Para Silva Pedroso, apesar das dificuldades, há, sim, apoio popular a Nicolás Maduro: “Se ele for reeleito, dependendo do número de votos, não devemos supor automaticamente que isso se deve apenas à fraude, intimidação ou coação”, afirma. “Embora esses fatores não possam ser descartados, existe uma camada da população com uma visão política que vai além da questão ideológica”.
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